22 de outubro de 2010

Uma História Pessoal de Sincronicidade: O Pássaro Morto e o Pássaro Encantado de Rubem Alves



É incrível como as sincronicidades acontecem.
Elas nos pegam de surpresa e aparecem para elucidar um fato, deixar um recado, dar pistas de um caminho.
E às vezes, para nos dar uma grande lição.
E surgem na forma de temas que se repetem, fatos semelhantes pela temática e que não tem relação de causa e efeito uns com os outros.
Apenas surgem, de uma forma mágicka e inexplicável pela lógica e pela razão.
Para os céticos, não passam de coincidências bobas.
Mas para quem ao menos, só um pouquinho, desconfia que há algo Invisível operando sobre nossas cabeças, são fatos desconcertantes e maravilhosos, aos quais  Carl Jung chamou de sincronicidade.

Foi o que aconteceu comigo nesses dias.

Eu tinha passado a semana muito preocupada com algumas questões importantes em minha vida, que envolviam meus planos de realizações e sonhos, como também uma certa visão de mim mesma tanto num futuro próximo como num futuro mais distante.
Isso é absolutamente normal, mas não sei por qual razão essas questões estavam literalmente me sufocando, como se eu tivesse que ter uma resposta pronta e uma ação para elas já, de imediato e não mais deixar que a vida seguisse seu curso com suas sequências e também com suas surpresas.
Eu estava num momento de forte ansiedade e tristeza e estava me cobrando ações que eu simplemente não podia executar.
E como não eram questões materiais que me afligiam,  mas espirituais e principalmente psicológicas e de longo prazo, fiquei bastante sensível com essa revisão que fazia de mim mesma e de tudo.
Vinha há alguns dias esperando por um insight, uma luz sobre minhas indagações e caso essa luz surgisse, eu estaria pronta para obedecer o que esses supostos insights me indicassem.

Na verdade, no fundo, no fundo, eu esperava por um "sim" ou por um "não" mágicos, que me orientassem  se eu deveria continuar alimentando esses sonhos ou simplesmente esquecer tudo e partir para outras coisas.
Eu vivia um dilema, típico de quem está  muito ansiosa diante da vida....
E desejei um oráculo de Delphos na minha frente, algo assim, como uma aparição dos deuses gregos, uma pitonisa à minha disposição ou uma tábua fabulosa de perguntas e respostas simples.... e nada que exigisse interpretações.
Um "sim" ou um "não" e tudo estaria resolvido para mim....

Mas as coisas não são simples assim: sei que muita gente tem sonhos reveladores, insights e intuições quando se perguntam algo de importante: eu mesma já os tive diversas vezes, mas para mim, dessa vez, nada, nenhum sinalzinho surgia para me ajudar.

Era de tarde e eu estava em meu trabalho e desci para fumar (maldito vício!) na imensa entrada do prédio e também para pensar em outras coisas, procurar me distrair, sei lá.
Mas a ansiedade e a força das questões que vinham me atormentando naqueles dias não me deixavam em paz.

"Rita, você terá que decidir, mesmo sem sinal algum...", pensei.
"Mas decidir o quê?", me perguntei.

Não quis fumar o cigarro inteiro. Algo me incomodava e eu não sabia o quê.

Foi quando meu olhar se desviou para um vaso de plantas próximo a mim.
Tinha algo escuro ali em cima, sobre as pedrinhas que cobriam a terra do vaso.
Algo preto e brilhante, mas muito suave aos olhos.

Então me aproximei e pude ver que se tratava de um passarinho morto.
Muito pequenino, o bico meio aberto e várias formigas passeando sobre seu corpinho inerte.
Certamente ele não morrera ali: alguém, com pena do bichinho, o colocara naquele vaso, provavelmente para ninguém o pisar e fiquei pensando como ele teria morrido.
Teria sido morto por algum gato? Algo pesado o atingira?
Ao mesmo tempo, senti uma espécie de revolta dentro de mim e pensei:

"Passarinhos não deveriam morrer nunca!"

Continuei olhando o bichinho e imediatamente comecei a imaginar ele vivo, brincando, rindo risadinhas típicas de passarinhos, tomando sol com seus amiguinhos, sacudindo as asinhas na chuva  e voando, voando e cantando. Seria filhote?
Por instantes voei com ele nesse exercício imaginativo e contemplativo e dessa vez, senti uma enorme injustiça no mundo.

"Passarinhos não deveriam morrer nunca!," pensei de novo.
"Mas também esse é o fim de todo ser vivente", pensei novamente.

Nesse momento, me veio à mente, com muita força, o escritor, educador e psicanalista  Rubem Alves.
Eu certamente já tinha lido essa frase sobre os passarinhos não terem que morrer e tinha certeza que era dele.

Voltei e peguei o elevador para minha sala e me lembrei da paixão do escritor pelos ipês, pela Educação, pela poesia, natureza e claro.....Rubem Alves devia amar passarinhos também!

Fui checar na internet se ele teria dito isso realmente, em que livro ou crônica tinha dissertado sobre a eternidade necessária dos passarinhos.....
Onde, como e quando teria dito ser a vida muito injusta, por permitir que passarinhos morressem...
Ou será que isso era coisa da minha cabeça?

Depois de pesquisar um bom tempo, o que eu encontrava sobre ele e pássaros era um conto dele, que eu nunca tinha lido, chamado "A Menina e o Pássaro Encantado".

Entrei num site que tinha o livro escaneado, de trinta e poucas páginas e lindíssimas ilustrações.

O conto fala de uma menina que era visitada por um passarinho encantado, que não vivia em gaiolas, mas que sempre estava viajando por lugares muito diferentes.
Em cada lugar que ele ia, trazia nas penas o colorido da paisagem visitada: era branco quando ia para a neve, verde quando vinha das florestas e assim por diante.
Também, de cada viagem, trazia uma história para contar, de alegrias ou de dores e a menina cada vez mais amava o pássaro, e ficava muito triste com cada sua partida.

Um dia ela resolveu prendê-lo: assim não sofreria mais de saudade.
Então preparou a armadilha, enquanto o bichinho descansava de mais uma longa viagem e o aprisionou.
Quando acordou e se viu preso, o pássaro repreendeu a menina e disse que ele não seria mais encantado.
E foi ficando cinza, triste e a menina, arrependida, o libertou.

E ele disse assim:
"Longe, na saudade, muitas coisas começam a crescer dentro de nós.
Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás para me esperar."

E o pássaro partiu.

A menina então, todo dia, colocava um enfeite novo, um vestido novo e se arrumava sempre.
"Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje", ela pensava.

E Rubem Alves termina esse conto assim:

"Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama."

E foi assim que ela, a cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento:
"Quem sabe, ele voltará amanhã. E ia dormir e sonhava com o reencontro."

Aí  termina a linda história.
Conto famoso de Rubem Alves que eu até então desconhecia e que dessa história  podemos pensar muitas coisas.
Em atitudes, pensamentos, valores e principalmente.....quem ou o quê é esse pássaro encantado em nossas vidas.

Em uma sincronicidade tremenda, eu recebera uma grande lição.
Um tapa na cara dado pelos mistérios dessa Vida....

Eu tinha um pássaro encantado que eu tentava aprisionar, explicar e decifrar; queria a todo custo ele ali, sob controle, com um mapa pendurado no pescoço de como chegar até ele.
Esse pássaro era meu sonho, esse sonho de vida tão íntimo, tão necessário e que eu, de modo arrogante, queria colocar numa gaiola.

E agindo dessa forma, acabar com todo o encanto que é essa Estrada, com todos os seus mistérios, em nome de racionalidades  e de uma teoria tola de que temos que fazer tudo certo, de que temos que agir, sempre agir, planejar, controlar e dominar todas as coisas que nos envolvem,  ainda  mais aquelas que pertencem aos campos onde somente Deus, O Grande Universo ou as Forças Maiores podem tocar.

Pensei que o certo mesmo era colocar um novo vestido, todos os dias, como a menina do conto, mas não um vestido de pano, e sim vestir a alma com aquelas expectativas que só as crianças possuem, e seguir minha vida assim, pelas estradas insondáveis que a Vida oferece.

"Passarinhos não deveriam morrer nunca e é assim que é, porque não morrem mesmo...", pensei.

Fiquei em silêncio por alguns instantes, com um indissolúvel nó na garganta e fiquei pensando no passarinho lá embaixo, inerte, em cima de um vaso de plantas.
Através dele, encontrei a resposta que tanto buscava e não num oráculo bobo e vazio de "sins ou de nãos".
Era uma mensagem de fênix.
Aquele passarinho foi o catalisador de uma incrível, mágicka  e abençoada sincronicidade que veio ao meu encontro.

Ele e o Pássaro Encantado de Rubem Alves, juntos, me ensinaram o que eu precisava.
A resposta tão esperada tinha sido dada, de um modo inesperado.
E sou muito, muito grata por isso.

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