18 de junho de 2010

A Lua e os Caminhos da Noite





   “Para ser grande, sê inteiro: nada
       Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim, em cada lago a Lua toda
Brilha, porque alta vive.”
-Ricardo Reis- (Fernando Pessoa)


“Disseram-me um dia que só os insensatos partiam em viagens noturnas.
Que todos os barcos, todas as viagens pereciam nas madrugadas.
Covardemente acreditei.
E hoje tenho um eterno náufrago à minha porta.”
( Carlos Montez)


É noite de Lua Cheia e no céu Ela reina absoluta.

Não há estrelas e parece ser uma noite morna, talvez até sufocante e um céu imenso, em campo aberto, forma uma amálgama com o infinito da paisagem.
Há um caminho, uma espécie de trilha, guardada por duas torres ao fundo e um lobo e um cão se posicionam como vigias dessa única passagem.
Próximo existe um lago, onde um caranguejo repousa....ou será que também espreita quem passa?
Não há mapas, nem guias, nem mesmo caravanas passam para fazer alguma companhia ou responder a alguma pergunta.

Não. Ninguém há ali.

O viajante está só e possui apenas duas opções: sentar-se com os cães e esperar a aurora ou continuar seu caminho, apesar do medo que ele deve sentir, apesar da imensa solidão, do mistério e da incerteza.

 E ir em direção à Aurora.

Se ele optar por sentar-se, o que farão os cães? E o imprevisível caranguejo?
A essa hora da noite tudo indica que a viagem solitária será longa...

O Arcano nº 18 do Tarot, a Lua, é o mais sombrio e um dos mais profundos e belos das 22 Lâminas Maiores.

Não há personagem humano nessa carta....talvez porque os cabalistas que a projetaram quisessem realmente que, com nossos olhos desprotegidos, nos sentíssemos esse viajante solitário e supostamente abandonado.

Porque as viagens, quase sempre, nos parecem mais seguras durante o dia, porque contamos sempre com aquela luz externa, representada pelo Sol, com seu brilho próprio, isto é, por tudo o que vem de fora de nós, pelas luzes e lâmpadas exteriores que nos trazem uma sensação de conforto e de proteção.

As viagens ensolaradas dão a impressão de que não haverá predadores, nem medo, nem dificuldades e de que sempre poderemos encontrar alguém pelo caminho, para conversar, dividir um alimento, indicar rotas, aproveitar o dia e quando o temido crepúsculo chegar, simplesmente repousarmos nossas cabeças sob um canto seguro e esperar a chegada da manhã e sua claridade.

Esses nossos sóis cotidianos podem ser a família, a sociedade, os grupos dos quais fazemos parte, nossos costumes e hábitos que são, na maior parte das vezes, todos eles, auxiliares para a direção de nosso ego.
Fazem parte de nossa consciência, daquilo que temos por conhecido e revelado.
São também, na esfera de nosso Espírito, num plano mais profundo, a sabedoria que jorra sobre nossas cabeças, através de mestres, professores ou de pessoas que já passaram por certas trajetórias e que nos servem de guia em nossas próprias trilhas.

Mas aqui a viagem proposta é outra.
E ela é necessária e deve anteceder essas estradas guiadas.

Então, vamos voltar à imagem da carta.

Sentar-se ou prosseguir no caminho...

Estará o viajante assim, tão solitário como pensa estar?
O que esses três animais querem dizer?
O que as torres indicam?
E a Lua, acima em toda a cena?

A Lua, nas raízes do inconsciente coletivo é a força passiva, o pólo feminino, o inconsciente, a intuição, o sentimento, a mãe, a proteção, a fantasia, o sonho, o Guia Interior e o Oculto.
Ela não representa, como o Sol, nosso ego, nossa consciência, nossos condicionamentos e os portos-seguros que construímos ao longo da vida.
Ao contrário: esse arquétipo é tudo o que mora dentro de nossa alma e que só nos surge, visível assim, nessas situações, nessas Viagens Arcanas, sob sua luz, sem rotas com faróis exteriores, sem mapas, sem placas, ou seja: uma viagem sob a Lua é a maior chance de nos conhecermos realmente.

É exatamente na solidão que a sombra da noite silenciosa nos proporciona, é aí e em nenhum outro momento que poderemos contar com o único guia que temos por perto, o Guia Interior.

O arquétipo da Lua é a Iluminação de dentro, aquela que usamos quando as coisas não estão “claras como a luz do sol”; quando nossa lógica, nossa mente racional já não mais nos ajuda.

Quando estamos perdidos na imensidão de nós mesmos...

Porque somos povoados por tantas pessoas que brigam dentro de nós, que querem coisas contrárias, que exigem que nosso ego, o mediador e senhor dessas cidades internas, tome uma posição diante desses conflitos.

Então é preciso realizar essas jornadas interiores, contando com nossos instintos (os mais dóceis, do cão, e também os mais selvagens, do lobo); olhar para o passado, para tudo que já realizamos, para os sonhos ainda submersos no lago (o caranguejo); olhar para a frente, para as cidades além de nossa visão ( as torres) e usando sempre nossa habilidade de enxergar as coisas em situações noturnas e confusas.

A Lua nos inspira, incita um outro olhar sobre a paisagem: aquela segurança dos dias de sol....poderá também ser ilusória....temos que nos lembrar sempre disso.
Aquelas companhias de viagens diurnas podem ser efêmeras, mas nunca será passageira a companhia que a Lua, lá de cima, nos pede para dar atenção, sempre: a própria Alma.

Depois dessa viagem interior, se for realizada com tranquilidade, livre de medos e atentos aos perigos das ilusões, a Lua, nossa guia, terá apontado o tempo todo que estamos perto de encontrar nossa individuação, o casamento alquímico de todos os aspectos que residem dentro de nós.

E esses aspectos contrários não serão mais motivo de medo.
Encontrarão, com o sorriso benevolente da Lua, a paz e a integração.
Os dois pilares da personalidade, nossas torres, estão bem posicionados e precisamos passar por eles.
São nossas fortalezas interiores que esperam nosso encontro.

Estamos na 18º Passagem, perto do Mundo, o último Arcano.
Então, confie em sua Luz Interior, em sua Lua enorme que te guia.
Ela revela sua essência, você sem rótulos, sem críticas externas e sem as luzes e holofotes que vêm de fora.

Com coragem, você não se sentou com os cães à espera da manhã e seguiu o caminho que já esperava por você.
O caminho para si mesmo. Como todo herói.

Não vieram as caravanas e você não dividiu alimento com algum passante; ninguém te deu mapas, nem repouso.
Não houve farol nem companhias: e você acabou conhecendo alguém tão diferente e especial nessa estrada...

Porque a solidão que parecia ser tão aterrorizante era também uma ilusão.
Era um encontro único e mágicko.

Os caminhos da noite não são solitários e estar com a própria Alma, com os sentimentos, a intuição e os próprios sonhos é a mais incrível e insubstituível das companhias.
Boa Viagem!!

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